Capoeira é história

Capoeira é história
capoeira é história de libertação

domingo, 3 de novembro de 2013

OCUPAR ESPAÇOS

Rafael e Guilherme, aos meus quase quarenta anos de idade, me ponho a pensar, a transformar vivência em experiência, aprendi lendo alguns manuais sobre a militância de esquerda a fazer a tão necessária autocrítica, ou então, talvez seja o pesar dos anos em meu lombo e a proximidade da maturidade inacabada de um homem. O fato é; meus amados filhos, que esse ano de 2013 foi um ano de calmaria profissional, embora nas ruas do nosso Brasil estouram-se convulsões, revoltas, e subversões contra os corruptos, contra instituições que deveriam, mas não representam o povo. Instaurou-se o descontentamento popular precipitado nas manifestações, pelas tantas ausências que o povo brasileiro sente e míngua, pela ausência de representatividade, deflagrando as primeiras, de muitas, passeatas de junho que se desdobraram em outras e outras, todas já são parte da história contemporânea brasileira. Em meio essas turbulências recebi convites curiosos, inusitados, como ministrar aulas de capoeira ao invés de história, fato que não concretizou, mas me deixou inclinado a ensinar tão nobre arte. Também, embora vociferasse que não faria mais, tentei e não consegui formar uma chapa para ser gestor da escola que hoje sou professor, engraçado por este despertar ser provocado pelos colegas de labuta, contudo faltou uma parceria para efetivar o pleito como taxava o edital. Porém, inesperadamente, fui convidado a fazer parte do mandato de uma deputada defensora dos direitos humanos, uma requisição, não sei se está conversa se tornará realidade, mas senti-me valorizado em minha militância até hoje tão questionada por mim. Não considerei o convite um prêmio, contudo, um reconhecimento ou uma mão estendida me tirando da zona de conforto e levando-me para o campo de batalha. Todavia, jovens, toda narrativa supracitada é para dizer que o pai de vocês, o homem inacabado que sou sempre buscou coerência, justiça e o bem estar coletivo. Durante a vida recebi convites, propostas, às vezes para empreitadas duvidosas quanto à ética, as quais sempre repudiei. Entretanto, jamais neguei ocupar espaços políticos, pois amplificar a radiação do meu idealismo foi uma tentativa em minha vida. Quem sabe por influência da obra o “Príncipe” de Maquiavel, ou também, a “Arte da Guerra” de Sun Tzu, ou até mesmo pelo avançar dos anos e o embranquecer dos meus cabelos, de forma singela que vivi a vida, coloquei em tudo que fiz um pouco do que sempre acreditei, busquei mostrar-me para vida. Para vocês, deixo aqui de forma ingênua e sincera um “tiquinho” de mim. Eu tenho meus filhos, um pai que migrou do campo paraibano para a “terra prometida”, Brasília-DF, foi um candango, rompeu do sertão ao cerrado, trabalhou, trabalhou e trabalhou, faleceu bem antes de me ver abandonar a infância, deixou o exemplo de honestidade e simplicidade de um verdadeiro homem do povo. A força do exemplo que mesmo “post mortem” rege minha vida, tenho também uma mãe firme e doce, ares do nordeste, uma irmã sábia e solidária, um irmão forte e ousado, este que sempre desafiou a morte com destemor e minha esposa, companheira trabalhadora e sempre disposta a construir. Escrevo esta carta, não que pressinta a morte, longe disso, longe de ser um momento de melancolia e morbidez, à vista disso estou muito feliz e tenho muito que viver ainda. Mas é que eu sei que a vida é um eterno diálogo entre o presente, o passado e vocês que são o futuro. Eu desejo a vocês que sintam o cheiro e os sabores da vida, o gosto do amor, o gosto das coisas do mundo sendo sustentáveis e não se preocupem em serem grandes, pois já são. Para encerrar por hoje, o pai de vocês não foi uma liderança, não por incompetência, mas porque nunca quis ser um líder numa concepção burguesa, o coletivo é a liderança, isto é a representatividade que nos falta hoje, o poder do povo para o povo, sem salvadores, uma construção coletiva. Além do mais deixo a alcunha de líder para caras como Che, Luiz Carlos Prestes, Oswaldão do Araguaia, eu meus filhos, fui um mero articulador, promovendo debates, olhares com pessoas brilhantes que conheci. Mas não nego a minha importância nas atividades e movimentos que participei, não fiquei na órbita de nenhum astro, fui independente e aproveitei minha autonomia para caminhar em diversas direções seguindo a coerência que defendo. É assim que descrevo, eu mesmo, longe de ser um herói, tampouco um super-herói, entretanto sou um homem cheio de esperanças, em construção, buscando uma civilização humana menos sofrida e contraditória. Eu defendi bandeiras, partidos, foram minhas opções, minhas escolhas, escolhi não ser neutro e nem inerte. Não sou um revolucionário, não ousei tanto, não sou ateu e creio em nossa eternidade. Brasília-DF, 03 de novembro de 2013, Álisson Lopes

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