Capoeira é história

Capoeira é história
capoeira é história de libertação

sábado, 29 de dezembro de 2018

Coisa boa que não foi...

Ele foi pego num cerco inevitável, sim pois não era ele a presa, não esperava aquilo, foi pego numa noite qualquer num dia qualquer , ele pensará que péssimo dia, o jogaram no chão lhe deram chutes em varias partes do corpo, ele sentiu o sangue escorrer pelo seu nariz, o jogaram no porta mala de um veículo, e com um capuz em seu rosto o lançaram numa cela, sem luz , sem ventilação. Não fizeram perguntas , todos já haviam caído lhe disseram, todos quem? ele não sabia, o pegaram enganado. O que ele sabia é que tinha uns baderneiros incitando pessoas como ele, mas ele não gostava de confusão. Aprenderá cedo que religião não se discutia, aliás já tinha escolhido uma que era bem popular para não ser excluído, política então nem pensar ele deixava para os políticos , ele odeia política, futebol ele não era bem entendido no assunto, mas tinha um time escolhido, nunca mudará, talvez uma das convicções mais certas da sua existência é de que não se mudava time de futebol. Recebia uma minguada ração diária, as vezes tomava banho de sol, não recebia visitas , perguntava por que estava lá, olhavam para ele fechavam o rosto e mostravam rugas rancorosas, não respondiam. A solidão, o isolamento e principalmente não saber o motivo do encarceramento estavam o enlouquecendo, ele pensou nos casos que teve, nas dividas que tinha, nada poderia ter o levado até ali. Ele não tinha ideia de quem o prendeu e o motivo. Será que ele seria cobaia de uma experiência ou vítima do tráfico de órgãos ? Que loucura era aquela? Ele foi perdendo a noção do tempo, não sabia se estava privado da sua liberdade por dias, por meses ou por anos. Preso, louco, estava ali remoendo, ruminando o passado por não existir presente e o futuro algo inatingível. Um dia sem mais e nem menos, jogaram suas roupas em cima dele e falaram vai embora, ele levantou-se , pegou suas tralhas , e antes de sair , não resistiu e perguntou o que ele tinha feito para ficar ali? O Homem olhou sério e com uma voz de julgador respondeu com toda convicção coisa boa que não foi ....

domingo, 23 de dezembro de 2018

Um aborígene

Ele era um autóctone e sua vida se restringia a decisões diretas e transparentes , quase fisiológicas . Vivia em sua terra mãe buscando o necessário, sem desperdícios , sem hipocrisias. Por um fenômeno natural indesejado e imprevisto viu-se obrigado à desertar de suas terras, refugia-se rumo ao desconhecido. Ele, sem alternativas, saiu a caminhar, logo foi dominado por medo , dor e desesperança, sua caminhada o levava ao incerto , depois de quilômetros de agruras , ele , agora um refugiado, depara-se com um grande muro. Seres fardados com rostos cobertos e olhos sombrios, ele sem escolha, com sede, fome, o cansaço o havia vencido , suas forças eram para ir e não voltar. Diante daquele muro cinzento , alto e com arame farpado, ele viu mais de perto outros homens , iguais a ele. Logo um sentimento de esperança tomou seu corpo, imaginou ser recebido como igual, mas mesmo que fosse recebido como um bicho acreditava ter água, comida e abrigo. O imenso muro parecia não ter fim em seu comprimento, ele queria matar sua sede, sombra e ser acolhido, ele estava ali porque a sua terra, sua mãe , farta e bela, tinha tido um desastre, uma morte súbita. Agora ele era um aborígene fora da sua terra, um faminto, um órfão. Mesmo sendo avistado pelos sentinelas da muralha, os portões não se abriram, seus gestos e seus pedidos ignorados, não tinha força para voltar , não tinha para onde voltar, resolveu passar seus últimos dias ali. Ele olhava para os homens que estavam em cima do muro, acompanhava sua troca de guarda, eles eram atentos na vigília e silenciosos, os olhares sempre treinados a não demonstrarem misericórdia, nem um copo com água lhe ofereceram, ele beberia a própria urina se tivesse para tentar abrandar sua sede. O refugiado, entendeu que ali ele não passava de intruso, como uma barata que entra numa casa tendo somente o desprezo, não tinha mais força para gritar ou se levantar, em seus delírios via-se escalando o muro e saltando para um campo cheio de flores, rios e com arvores frutíferas, sentia o sabor e o cheiro. Seus devaneios também manifestavam-se em forma de pesadelo, onde ele levantavam seu corpo deformado pela magreza e como um inseto tentava subir o muro e era alvejado por armas moderníssimas de alta efetividade em assassinar sendo seu corpo inerte estirado ao chão agreste sem vida. Nem isso para aliviar seu fim. A morte chegou, é certo, que em seus últimos instantes ele parou de sentir fome e sede ,um frio congelante tomou seu corpo, ele não sabia em que momento morreu, mas quando o frio passou e todo o sofrimento, ele , o refugiado encontrou abrigo e conforto. Ele não atravessou o muro, talvez anos depois aqueles que o barraram também tivessem que sair de cima do muro e na condição de refugiados seriam barrados em outro muro, talvez maior, mas talvez não, quem sabe eles encontrassem outro aborígene, um autóctone disposto a oferecer água, comida e abrigo.

Ideologia é uma merda

Desde que vi num documentário sobre Jorge Amado em que ele afirma que "ideologia é uma merda", tenho refletido em relação a isso. Tomam minha mente constantes reflexões sobre como a ideologia pode forma uma dogmática de proliferação das ideias intolerantes e maniqueístas. Podem acreditar, ou melhor acreditem se quiserem, mas quando a ideologia transmuta para uma cegueira e te impede de ver a diversidade de um mundo multicultural e seus desdobramentos , é uma grande armadilha. O mundo é plural, existem milhares de religiões, lido todos os dias com ateus, hedonistas, neoliberais, socialistas, religiosos e gente que não esta nem ai para rótulo. Os conservadores querem conservar o quê? Não tem como barrar o esplendor da diversidade, a escola é inclusiva, o movimento LGBTI tem cada dia mais voz, o Candomblé, a Umbanda são religiões e a cada dia mais organizadas e mais preparadas para se defender de obtusos intolerantes. Temos milhões de seres humanos abaixo da linha da pobreza e tem que ser um compromisso nosso enquanto humanidade combater isso para ontem. Temos milhões de refugiados, crianças descalças e famintas, isso é sim problema nosso. Tenha empatia imagine se fosse com os meus, os seus, os nossos. Quem tem fome precisa comer agora, político com mandato nenhum tem o direito de errar, seu erro mata milhões. O Estado tem que ser forte e tem que defender o seu bem mais valoroso que é o seu povo, a sua gente. As lideranças que são de fato lideranças preparam e promovem a autonomia das gerações vindouras e não traem por um projeto de poder. A convergência de todas ideologias deveria ser a humanidade, toda humanidade.

domingo, 16 de dezembro de 2018

Ele era o cão

Pensando, um pouco nostálgico, no passado recente, das relações sem tantas tecnologias e também sem complicações. Anos atrás eu tinha um amigo, um cão. Um relacionamento sem melindres, sem ideologias , prático e rústico. Era um cão sem raça definida, um pouco desproporcional, pois tinha a cabeça de um cachorro grande enterrada no corpo de um cão de pequeno porte, não sei se por conta disso ele nunca se deu conta do seu tamanho e sempre desafiou adversários maiores. Ele jamais admitiu coleira e saía sozinho em seus passeios diários, as vezes seus passeios duravam uns três dias, voltava exausto e dormia quase três dias para se recuperar. E pensar que em alguns países de orientação totalitária no passado já viram cães como um símbolo de ostentação e portanto proibido de se criar, e também outro exemplo de como um Estado metido a total quer entrar na mente e logo nos costumes , os homens não poderiam ter barbas pois representariam o símbolo de outro adversário ideológico, cada uma não é?!. Ora, voltando aos cães e sua domesticação , essa história faz parte da história também do desenvolvimento humano, os cães caçadores por natureza ajudaram os seres humanos na busca diária por alimentos em tempos remotos, ajudavam na guarda, no pastoril e também como companhia. Pessoas em situação de rua tem cães como amigos e protetores contra pessoas que possam a vir querer seu mal, como jogar bexigas de urinas nas madrugadas ou até queimar vivo. Em relação ao cão , ele se chamava Touché, fazia o inimaginável, corria atrás de gatos, nada de impressionante até aqui, mas ele subia nos telhados correndo e saltando para pegar os gatos isso sim me surpreende até hoje, ele não era santo, pelo contrário era o cão, certa vez avançou num cavalo na rua tomando de forma certeira um coice no focinho, meio nocauteado retornou para casa onde foi curado com matruz com leite. Era um boêmio, não resistia aos encantos de uma fêmea e uma noitada, brigava com qualquer um e a qualquer hora, corria atrás dos outros , se machucava, voltava das ruas com o fedor dos lugares que se metia. Foi errante, foi valente, e eu sempre soube que bicho assim não morre de morte morrida, somente de morte matada, então foi assim previsivelmente, num desses dias foi -se para as aventuras e não voltou. Gente e bicho, as vezes se confundem, bicho tratado igual gente e gente tratada igual bicho. Ele nunca foi meu , foi do mundo, sem coleira ou dono, mas era corajoso, quando em casa fazia a guarda , caçava, assustava invasores, nunca hesitou em tascar o dente numa canela desconhecida que entrasse em nosso quintal. É assim , a vida passa rápido, ele viveu do jeito que queria e até o fim.

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

O dom

Nasceu um menino, um menino esperado e desejado pelos seus pais, um menino protegido e amado, portanto visto e bem visto em seu país, sua pátria. Entretanto o menino, esse menino, dentro dos padrões e protocolos sociais tinha uma peculiaridade, talvez um dom, talvez uma maldição. Ele, o menino, de bochechas redondas e avolumadas via, percebia, sentia cheiros de coisas e gentes que ninguém parecia ver ou sentir. O menino quando andava de dia na rua com seus pais ou no carro durante a noite com seus pais em seu país, olhava na rua e via vultos e pessoas enroladas em trapos , pareciam pessoas , de todos os tamanhos, figuras andróginas de tão magras, de tão sujas, com olhos grandes encravados em corpos famintos, seus olhares estampados em rostos tristes eram de uma fixação devoradora. Os trapos sujos, os corpos magros, os braços e mãos estendidos , esticados pedindo sem sucesso uma ajuda, uma redenção ou rendição, todos vencidos sujeitos aquilo ou coisas piores do que aquilo. O menino sentia-se atormentado, assombrado, tinha pesadelos, nos passeios seus pais felizes lhe ofereciam algodão doce. Ele pensava como eles , meus pais, não veem ? Ele refletia , como eles , todos do país não viam? O menino arriscou algumas vezes falar com seus pais sobre o que enxergava em seu país, porém não foi correspondido, ele foi crescendo, esquecendo, ignorando, suas visões. Cresceu forte, robusto, com palavras mil que brotavam em sua boca, foi fazendo provas, foi ganhando colocações em seu país e seus pais orgulhos. Mas enquanto ao dom? Ele não perdeu, adormecido um pouco, mas ao andar as ruas por alguns instantes podia ver e sentir a dor e os cheiros dos abandonados, dos desumanizados que por motivo vários não tiveram o mesmo destino do menino, hoje um homem. O homem, já que deixou de ser menino, detinha agora uma frieza dos adultos, entendera que o seu dom era uma dádiva também de todos, todos podiam perceber também, porém , ao crescerem , as pessoas de seu país e até seus pais, foram desaprendendo a ver os seus iguais necessitados, crianças, mulheres, homens na rua, rasgando sacos e disputando com cães , insetos e urubus algo para comer. O menino, em corpo de homem, constatou que todos podiam ver e sentir, contudo ao longo dos anos perderam a sensibilidade da compaixão e empatia. As pessoas de seu país naturalizaram à pobreza e seus sentidos ignoravam os esquecidos, os que sofreram infortúnios e sem abrigo sobrevivem em meio à ruas, viadutos e becos. O bem sucedido, cheio de suas vitórias e orgulhos, empapado com suas viagens ao exterior e aromas de perfumes exóticos de outros lugares, não sentem o cheiro dos desabrigados , dos desesperados e das pessoas em situação de rua. Nascem novos meninos e meninas, todos os dias, unas terão o dom e irão apreender a esquecer, outros meninos e meninas, menos afortunados, nasceram na disputa por espaços em camas de papelão e por comida, cobertos pelos trapos da invisibilidade da indiferença de seu país.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Palavra como instrumentalização

Quando a maior instrumentalização deveria ser à palavra, vivemos um tempo acelerado , as tecnologias e as informações chegam numa velocidade incrivelmente rápida, era da informação , mas não do conhecimento. Sabemos mais da vida do outro pelas notícias sejam elas verdadeiras ou até mesmo falsas. Vivemos jogos virtuais, vivemos redes sociais , às vezes como fim e não como meio, como instrumento. Vejo discussões em virtude do ensino à distância até mesmo no ensino básico e esquecendo que somos seres gregários e que a escola demonstra a diversidade e aguça à inteligência emocional. Concordo que não é possível retroceder e nem devemos em relação as tecnologias, elas deveriam nos possibilitar mais tempo de ócio e não tirar empregos. Acredito que somente uma educação crítica e social em relação ao que é estudado, no sentido de instrumentalizar o estudante com fundamentos baseados na inquietude de apreender, viver e compreender possa permitir um preparo para as adversidades do presente e futuro. A tecnologia pensada pela humanidade deve permitir mais humanidade, mais vida, mais união . A palavra com amor , preparo e convicção ainda é o instrumento mais maravilhoso de persuasão e humanidade. Chaplin já afirmou que precisávamos de menos máquinas e mais humanidade, Eric Hobsbawn em sua obra Era dos Extremos em referência ao século XX , já nos alertava que a humanidade já possuía tecnologia suficiente para acabar com a fome e a pobreza, vale fazer uma grande reflexão em relação a isto. Nestes tempos, fico pensando nas praças vazias sem povo, será que o poeta Castro Alves se contentaria em ter milhões de acessos e curtidas no mundo virtual do que estar em meio ao povo declamando sua poesia de revolução e de amor?