Capoeira é história

Capoeira é história
capoeira é história de libertação

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Sangue no olho

Se eu fosse escrever um livro, escreveria sobre uma geração que conheci. Uma geração quase toda perdida, com liberdade para experimentar e consumir de tudo, sem ditadura, sem diálogo com os pais, sem compromissos, partidários, escolares, religiosos ou espirituais. Logicamente tais impressões são percepções minhas, mas quando na minha visão de mundo vejo que muitos dos meus contemporâneos de bairro foram presos, outros assassinados, tantos outros se encontram desempregados, isso me intriga, e sim, muitos dos meus pares daquela época também prosperaram, em quantidade bem menor, mas aqueles que eram os mitos da garotada pelo destemor e transgressão, grande parte deles desapareceram pela violência e a miséria, ou pior, foram consumidos por elas. Eram pessoas desconfiadas, instáveis, dispostas a resolver tudo com a força física, na adolescência se destacavam pelo terror aos mais fracos, aos atos covardes, a ausência de regras e pudores. Mas foram sumindo no começo da vida adulta, alguns davam notícias aqui e ali, fulano foi preso, ciclano morreu acometido de cirrose, beltrano sumiu e ninguém ouve mais falar nem a família. Contraditoriamente, os mais fracos foram aparecendo, aqueles menos considerados, que não tinham muita atitude, segundo os valentões, esses foram se destacando como profissionais liberais, servidores públicos, etc. Quase quarenta anos depois os fracos ficaram fortes e os fortes como dinossauros misteriosamente desapareceram. Os cheios de atitude, com sangue no olho, os valentões foram exterminados pelas próprias escolhas, a força que tinham era fantasiosa, quixotesca e sem lirismo, e só reinava numa pequena rua, quando adentraram de vez no mundo dos adultos, sumiram, desejaram sumir. Por que escrever sobre isso? Acredito que para analisar de forma não sectária ou maniqueísta o forjar do jovem brasileiro, extirpar meus preconceitos e entender, compreender a sutileza dos descaminhos de jovens em plena formação, os valentões os quais me refiro tiveram em sua maioria desfechos nebulosos. Na realidade é interessante, vasculhar os detalhes fundamentais que possibilitam a formação de pessoas sustentáveis e felizes, do sucesso e do fracasso individual e coletivo. Álisson Lopes

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

A correspodência

Em palestras que há anos atrás apresentavam a globalização como algo novo, lembrando que essa afirmação não é pacifica na historiografia, mas pouco importa agora no que vou descrever. Defendiam a velocidade das informações, na realidade batizaram de era da informação, o mundo se tornará uma província com a tecnologia das comunicações, muita informação, parece infinita e o planeta bem miúdo. A frase era: “é preciso romper os paradigmas”, é preciso globalizar-se, inserir-se na mundialização, ou você será um pária, um perdido, um desconectado, histeria total é a morte estar fora dessa onda. A globalização engolia as civilizações, todas numa volúpia insaciável e veloz. Hoje não se nega sua existência, não se fecha para ela, salvo pequenas civilizações milenares africanas e asiáticas, nada interessantes para serem engolidas, ou então tiranos teocráticos ou militarizados em suas governanças absolutistas. Todavia, toda essa pequena introdução foi para comentar sobre um livro intitulado “Toda a saudade do mundo”, refere-se a correspondências de Jorge Amado e Zélia Gattai. Um tempo, sem blogs, sem facebook, e-mails, apenas cartas, o escritor Jorge Amado se correspondia com sua esposa de maneira velocíssima para época, tanto que a coletânea dessas cartas concebeu um livro que é uma biografia do casal. Impressionante, o senhor Jorge Amado, escritor universal, trocar em sua intimidade correspondências quase que diárias, com sua esposa, além de se corresponder com Sartre, com Caribé, com Neruda, com Oscar Niemeyer e ainda tendo como amigos Marigrella, João Amazonas, Prestes, Pedro Pomar. Ele criou por intermédio de sua militância um círculo de amizades de pessoas geniais no que faziam. Eram revolucionários, subversivos, a vanguarda do século XX. Impressionante mesmo! Contudo, o peculiar do livro é descrever como em uma época distante da internet, como ele alimentava e era alimentado por informações de “recortes”, ou seja, artigos, manifestos, cartas de amigos, uma verdadeira rede de intelectuais, que oxigenavam os saberes tendo como instrumento as informações de seus correspondentes. De fato o escritor Jorge Amado viveu plenamente a arte de escrever e também de cultivar amigos, brilhantes amigos. E não posso desprezar que o Jorge Amado deixa nítido em suas obras que além dos notáveis os quais citei, ele aprendeu muito com o povo, com o humilde, com o povo brasileiro desconhecido por muitos em sua diversidade cultural e sua índole guerreira. Álisson Lopes

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

O filho de Xangô

Recentemente estava relendo a obra do Mestre Tabosa, “O filho de Xangô”, e não pude deixar de pensar que com esse nome não existe demanda que não possa ser vencida, o livro tende ao sucesso e logicamente o seu autor. Sou admirador das obras do escritor Jorge Amado, militante e intelectual, na ânsia de conhecer mais o universo desse escritor, li em sequência Capitães da Areia, Tenda dos Milagres, O compadre de Ogun, ABC de Castro Alves, Cavaleiro da esperança e Jubiabá, todos representando a miscigenação do Brasil e as vozes dos oprimidos. Então quando eu trabalhava na coordenadoria regional do Guará, e tive o privilégio de participar dos encontros de educadores populares, foram feitas quatro edições e em uma delas o Mestre Tabosa ministrou uma palestra sobre capoeira e também comentou sobre o livro o “Filho de Xangô” para alunos do Guará, da Estrutural e capoeiristas presentes, não pude deixar de relacionar as obras dos dois autores. Ali vislumbrei a importância de obras como a do camarada Jorge Amado e a do Mestre Tabosa na construção da valorização da cultura brasileira, demonstrando os seus fundamentos e princípios. Também acredito que ambos os autores tem como semelhança a simplicidade e a proximidade com o povo, sendo fonte de inspiração para mim. Hoje sou capoeirista com a graça divina, estudioso do tema e sei que a capoeira não se extinguiu, primeiramente, pelo fato da resistência negra. O negro suportou açoites, a violência, mas não perdeu sua convicção e a capoeira mesmo contra a lei resistiu. Permita-me expressar que a capoeira se manteve forte contra as forças opressoras pela convicção do seu povo, como ocorreu também com o candomblé. Nas obras de Jorge Amado, pode-se vislumbrar isso, e também percebo tal temática na obra do Mestre Tabosa. Além de atentar que na obra do camarada Tabosa observa-se um importante registro da capoeira do DF com reconhecidos mestres do universo da capoeiragem. Deixo aqui manifestada a minha admiração pelo Mestre tabosa e ainda me lembro do seu jogo de capoeira com os errantes capoeiristas do Centro de ensino especial de Taguatinga, alunos do professor Fábio, no encontro de educadores populares. Quem sabe não marcamos outras rodas e novos encontros? Axé, Álisson Lopes

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Esperança

Prezado leitor, existe esperança. Hoje visitei uma instituição de internação de menores infratores, me apresentei como professor, advogado e capoeirista, a pauta era trocar ideias sobre a influência da capoeira em minha vida, a história da capoeira e falar sobre direitos humanos. Como sou membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-DF, fui vestido formalmente, o que não me impediu de sentar-me no chão num círculo com aqueles jovens e bater um papo, posteriormente soube que alguns estavam cumprindo medidas socioeducativas por terem cometido atos infracionais análogos a assaltos, roubos e homicídios. Mas ali, falando sobre capoeira, sobre luta, sobre resistência cultural, sobre negritude e também as desventuras dos que escolhem o caminho canhestro do consumo de drogas, violência e outros males, vivência bem experimentada por alguns dos ouvintes, vi nos olhos de cada um a vontade de mudar definitivamente de vida, talvez fosse o que o sistema chama de ressocialização. Muitas vezes os atos violentos que são vastamente noticiados nos telejornais instigam a precipitação da vingança e não da justiça. Contudo, a realidade já mostrou que é preciso investir na educação, na base, para evitar mais jovens internados cumprindo medidas socioeducativas. O senhor, nobre leitor, pode não acreditar, mas eu acreditei na possibilidade da mudança, quando cada um faz o seu papel, e instituições funcionando como realmente deveriam, podemos mudar a vida desses ainda adolescentes. Em meio aqueles garotos de todas as cidades satélites do DF, um foi aluno de uma instituição educacional a qual eu era vice-diretor algum tempo atrás, ele me reconheceu, me chamou pelo meu nome e disse que quando sair deseja treinar capoeira comigo. O que posso dizer mais? Eu sei que diminuir a menor idade penal não irá diminuir a criminalidade, precisamos de boas escolas, mais cursos profissionalizantes e mais estrutura familiar. A maioria daqueles adolescentes precisa de suas famílias e de muito diálogo, muitos não tem nenhum dos dois. Agradeço a oportunidade ao Mestrando Tony Guará, pois fui convidado a ministrar uma palestra e ao final aprendi e compreendi uma grande lição. Álisson Lopes

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Ouro de tolo

Ao nobre leitor, aquele que desprevenido começou a ler esse desabafo, o texto ouro de tolo que se segue é para descrever o inverso da sustentabilidade, da simplicidade e da discrição. Às vezes me sinto um chato completo, mas é que de uns anos para cá, tenho evitado certos tipos de pessoas, peculiarmente as ostentadoras, são homens, mulheres, ricos ou pobres, pois transcendem a questão de gênero, classe social e também a da etnia. Ler um livro, definitivamente, é melhor do que um papo enfadonho, neste intuito esse que vós narra vem se esquivando de conversas mais demoradas com pessimistas e também, não posso esquecer, os ostentadores, os derradeiros me incomodam pelo fato de que ostentar não é uma ação que se faça sozinho, tem que ter plateia, se possível babando de inveja. E para meu descontentamento sou constantemente alvo de tais tentativas, é sério, imagine ficar meia hora conversando com uma pessoa que prefere comprar um carro caríssimo, e economizar em saúde, em educação, comendo mal, morando mal, perdendo dentes para pagar um financiamento de um símbolo do ter para chegar ao orgasmo mostrando aos outros, o ápice do gozo, me desculpem o termo, é em ter um possante para compensar a falta de humildade. Olhem não me interpretem mal, gosto da riqueza, quero que todos sejam ricos, no mundo todo, inclusive eu, mas é que quando uma pessoa mede a sua felicidade em ter, é como encontrar o ouro do tolo, é vender a alma, é perder a essência. Não tenho inveja, nem despeito, ter inveja dos outros é muito mesquinho e disso estou fora. Quem é abastado, que zele por sua bonança, triste é quem acha que a vida é só ter, tendo ou não, só possuir, ruminar o flagelo do consumismo exacerbado. A hipóstase do ter, do consumismo como felicidade, contamina todas as instituições, apartam quem tem dos que não tem, não é uma questão de meritocracia, mas sim uma questão de falta de humanidade. Compreenda como a infestação da “febre do ter” domina o congresso, como é pernicioso este “Estado febril”, esse axioma dogmático. A sustentabilidade, de forma geral, é você ter o que precisa para viver com qualidade de vida, não precisa de ostentação, nem de consumo em exagero. Assim pode-se garantir a sustentabilidade para os que ainda virão. Álisson Lopes

sábado, 4 de janeiro de 2014

Capitalismo como religião

Para Walter Benjamin, Marx, Gramsci e o Papa Francisco, Ainda há de se ter tempo para frear: A soez sobrenatural mercadológica do dinheiro, ao arrogar das vontades rebeldes, ao afogar das insurgências e o xenofobismo; A devoção ao capital, Mercantilização da nação humana, a coisificação de homens e mulheres; A vontade infinita do ter, ostentar, e o esquecer do ser humano, desumanização, ao carnear do povo e do louco visionário que diz não a religião aburguesada, ao sortilégio acometido pela militância que se corrompe, a juventude que já é parida neoliberal e secarrona. Ainda há de se ter tempo para viver: A solidariedade, a comunhão dos povos, a Bíblia sagrada, o alcorão, a torá, ao artigo 5° da constituição federal do Brasil, o manifesto comunista; O amor, a compaixão, a simplicidade, a revolução, o investimento em educação, a respiração com força e o cheiro do verde da natureza, a reforma agrária; O perdão, a tolerância, ao poder nas mãos do povo, a distribuição de renda e beber água límpida da fonte; O natal sem consumismo, o carnaval sem cordão de isolamento, sem cordeiro, a fraternidade, a paternidade, a maternidade, a paz, a vida. Álisson Lopes